Antes de qualquer coisa, vamos às devidas apresentações. Caso você nunca tenha ouvido falar em BRF, não há problema. Você, certamente, já ouviu falar em Sadia e Perdigão.
Sadia e Perdigão são apenas duas de mais de trinta marcas da BRF, que comercializa produtos alimentícios em mais de 150 países em cinco continentes, contando, para isso, com mais de 90 mil colaboradores, distribuídos por mais de 50 unidades de fabricação, localizadas em oito países.
A BRF está fisicamente presente, além do Brasil, na Argentina, Reino Unido, Holanda, Turquia, Emirados Árabes Unidos, Malásia e Tailândia. Conta com mais de 30 mil fornecedores, mais de 13 mil produtores integrados e mais de 200 mil clientes espalhados pelos cinco continentes.
São dados que colocam a BRF entre as maiores companhias do mundo no segmento de alimentos.
Momento conturbado para a BRF
Apesar disso, a BRF apresentou prejuízo superior a R$ 1 bilhão no primeiro trimestre de 2019, tendo sido o maior em seis trimestres consecutivos de resultados negativos. Já no segundo trimestre, a empresa teve lucro de R$ 322,8 milhões. O prejuízo calculado em um ano é, todavia, de R$ 1,5 bilhão.
Os números parecem indicar um facho de luz no fim da rodovia do fim do mundo, mas é preciso que o investidor vá bem mais fundo na análise. Estamos, afinal, falando de uma indústria de produtos alimentícios, sujeita aos efeitos de múltiplos fatores, que vão das políticas governamentais à oscilação do dólar.
Parte da rotina de prejuízos nos últimos anos deve-se ao dólar alto, que aumentou o preço dos insumos necessários à operação da companhia, somando-se a isso os efeitos da greve dos caminhoneiros, que comprometeu o escoamento da produção local. Sem contar com a sucessão de escândalos e restrições internacionais à proteína brasileira.
Além disso, grande parte do prejuízo apurado no primeiro semestre é consequência da venda de ativos da empresa, que faz parte do plano de realinhamento estratégico.
A receita líquida teve aumento de 18% no segundo trimestre, alcançando R$ 8,3 bilhões. Em junho de 2019, a empresa lançou no mercado R$ 750 milhões em debêntures, com vencimento entre 3 e 7 anos. A tática da companhia faz parte da estratégia de alongamento dos prazos para pagamento do passivo, com barateamento concomitante da dívida.
No mesmo período, vendeu fábricas de abate de aves e processamento de alimentos na Europa e na Tailândia por um total de US$ 377 milhões, o que ratifica ser o momento da companhia de reorganização da dívida, mas também de encolhimento das operações.
Embora a empresa apresente um Ebitda sistematicamente bastante positivo, o que indica uma geração operacional de caixa positiva, isso não significa nenhuma garantia de que os resultados se manterão positivos nos próximos trimestres, uma vez que é preciso avaliar o impacto das vendas de ativos nos lucros recentes. Considerando as despesas financeiras e patrimoniais, o custo da BRF supera as receitas em 27%.
Sendo assim, quem pensa em value investing com a BRF no longo prazo deve colocar as barbas de molho. Inclusive porque o setor de proteína animal, principalmente, sofre com as incertezas provocadas pela política externa brasileira, que afetam o setor.
Além disso, os melhores preços obtidos no mercado internacional são apontados como consequência da peste suína africana, que vem afetando os rebanhos de porcos chineses. Em consequência, a previsão é de queda de 25% a 35% da produção de proteína suína na China, o que beneficia outros países produtores, em virtude da retração da oferta.
Desempenho da BRFS3
Quanto à BRFS3, está avaliada, em média, acima de quatro vezes o valor patrimonial. A tendência é de que o preço da ação se mantenha na faixa entre R$ 35,00 e R$ 40,00.
Para quem deseja investir na valorização da BRFS3 no longo prazo, o cenário não muda em relação ao recebimento de proventos. Como o momento da empresa é de venda de ativos e reorganização da dívida, não é possível vislumbrar perspectivas de crescimento, mesmo que a BRFS3 tenha sido negociada a um patamar acima de R$ 71,00 em 2015.
Quanto a isso, é preciso que reafirmemos que a lógica do mercado de ações aponta para a compra das ações em baixa. Além disso, o baixo rendimento dos investimentos mais conservadores tende a empurrar os investidores para a B3, intensificando a demanda.
Em outras palavras, isso deveria querer apontar que a BRFS3 é um bom investimento para o momento, mas não é isso o que o mercado sinaliza. O momento atual é bom para os traders. Podemos dizer que é um bom momento para quem quer surfar na onda das vendas de ativos por parte da companhia e dos “benefícios” proporcionados pela peste suína africana, que podem produzir no mercado a ilusão de rápida recuperação da companhia. A questão é que ambos os fenômenos são temporários.
O fato é que não basta que as ações estejam em baixa para se tornarem um bom investimento. Os fundamentos financeiros da BRFS3 não são dos melhores. Embora o mercado em que atua confira certa estabilidade quanto à demanda presente e uma boa certeza quanto à demanda futura, o negócio está sujeito a viradas bruscas, sobretudo pela alta importância do mercado internacional.
Vale a pena comprar ações da BRF?
É evidente que, com a política atual, a empresa pode fazer um realinhamento estratégico e voltar a ser lucrativa, com bases mais sólidas para enfrentar a vulnerabilidade imposta pela competição internacional, variações cambiais e instabilidades políticas.
O momento, no entanto, é de pisar no freio com relação à BRFS3 para quem busca um investimento rentável no longo prazo. Um bom preço de compra seria, talvez, se as ações caíssem ao nível de 2018, quando estiveram abaixo dos R$ 25,00. Não parece ser o que vai acontecer, já que não há nenhum grande abalo a vista.